Rio São Francisco perdeu 50% da superfície de água nas últimas três décadas
A Bacia do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural entre 1985 e 2020. Considerando as
ações humanas que por exemplo trouxeram um aumento artificial de 13% da superfície de água de
reservatórios, a redução foi de 4%, com as maiores perdas observadas no Alto e no Baixo São Francisco,
19% e 21% respectivamente.
Os dados são parte de um estudo lançado hoje pela iniciativa MapBiomas (www.mapbiomas.org) para
marcar o Dia Nacional de Defesa do Rio São Francisco, a pedido do Plano Nordeste Potência, iniciativa de
um conjunto de organizações brasileiras que trabalham pelo desenvolvimento verde e inclusivo da região.
Somente a ação humana pode ser insuficiente para manter o recurso na região, especialmente
considerando cenários de redução de chuva previstos para os próximos anos. “A criação de reservatórios
aumenta a superfície de água, no entanto temos observado uma tendência de perda de água nos principais
reservatórios, além da perda de superfície de água natural significativa na bacia do Rio São Francisco, isso
favorece um cenário de crise hídrica”, observou Carlos Souza Jr., coordenador do MapBiomas Água.
O estudo mostra como quatro grandes reservatórios apresentam tendência de queda na superfície de água
nos últimos 36 anos. A maior das quedas é registrada na hidrelétrica Luiz Gonzaga (antes Itaparica), entre
Pernambuco e Bahia, seguida por Sobradinho, Três Marias e Xingó.
“Esses números refletem o que nós podemos ver na prática. A Bacia do São Francisco sofre com o uso
intenso e sem planejamento, seja dos recursos hídricos quanto do seu solo. Hoje existem populações que
vivem nessa região e que já sofrem com essas variações. Precisamos implementar soluções como a
recuperação das áreas degradadas o mais rápido possível, além de promover uma boa gestão dos
recursos”, afirma Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá (Grupo Ambientalista da Bahia).
A Bacia do São Francisco é a terceira maior do país e corresponde a cerca de 8% do território nacional.
Ainda que haja grandes variações entre os anos, a tendência de queda é clara e soma-se a análises
anteriores, inclusive do governo federal. Estudo feito em 2013 pela extinta Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência, por exemplo, indicava que poderia haver uma perda de até 65% da vazão até
2040, com base no registro de 2005.
“Os preocupantes indicadores do MapBiomas mostram que é urgente a implantação de um profundo
programa de revitalização, previsto desde o início do projeto de transposição e nunca realizado. Além das
ações de reflorestamento, recomposição de áreas degradadas e obras de saneamento em centenas de
municípios, é fundamental um plano de elevação e estabilização da vazão média do rio e incentivos a um
modelo de economia que impulsione a regeneração da bacia hidrográfica”, propõe Sérgio Xavier,
coordenador do Projeto HidroSinergia, do Centro Brasil no Clima – CBC, que está desenvolvendo o Lab de
Economia Regenerativa do São Francisco nas fronteiras dos estados de Alagoas, Bahia, Sergipe e
Pernambuco.
Alterações na paisagem
Outros dados do MapBiomas mostram que o uso da terra na bacia se intensificou no período. Atualmente,
a cobertura de vegetação nativa nessa área é de 57%, mas chega a somente 30% no Baixo e 37% no Alto
São Francisco.
Apesar de haver áreas consolidadas de agricultura e pastagem, a região hidrográfica perdeu 7 milhões de
hectares de vegetação nativa nas últimas três décadas para a agropecuária, restando 36,2 milhões de
hectares – desses, somente 17% estão em áreas protegidas. As pastagens ocupam 14,8 milhões de hectares
e a agricultura, 3,4 milhões. A formação savânica foi a mais atingida, perdendo 4,6 milhões de hectares
(14%). Além de Cerrado, outros dois biomas compõem a bacia, Mata Atlântica e Caatinga.
As regiões do Baixo e Submédio São Francisco apresentam as maiores taxas de aumento de áreas de
pastagem, 50% e 85% respectivamente. No Médio São Francisco, o destaque é para o aumento de 650%
da agricultura, principalmente para a expansão da soja nos últimos anos. Já na região do Alto São Francisco,
a silvicultura cresceu 400%.
Esse avanço das atividades agrícolas se manifesta em outros indicadores. O Médio São Francisco registrou
quase 2 mil alertas de desmatamento em 2019 e 2020, totalizando aproximadamente 99 mil hectares
derrubados. A mesma sub-região mostrou o maior crescimento no número de sistemas de irrigação desde
1985, 1.870%, seguido pelo Alto São Francisco, com 1.586%.
“A bacia do São Francisco está sob pressão, tanto pela agricultura quanto pela geração de energia, que
coloca em risco milhares de pessoas que vivem na região”, complementa Washington Rocha, coordenador
da equipe Caatinga no MapBiomas.
Sobre MapBiomas: iniciativa multi-institucional, que envolve universidades, ONGs e empresas de
tecnologia, focada em monitorar as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil, para buscar a
conservação e o manejo sustentável dos recursos naturais, como forma de combate às mudanças
climáticas. Esta plataforma é hoje a mais completa, atualizada e detalhada base de dados espaciais de uso
da terra em um país disponível no mundo. Todos os dados, mapas, método e códigos do MapBiomas são
disponibilizados de forma pública e gratuita no site da iniciativa: mapbiomas.org
Veja aqui o estudo realizado FSRioSãoFrancisco_03062022_ok4