Política

Impactos da Ponte Salvador-Itaparica são debatidos em audiência da ALBA

Quais serão os impactos da construção da Ponte Salvador-Itaparica para Ilha, para a Baía de Todos-os-Santos e para o Estado como um todo? Essas questões foram debatidas na audiência pública realizada na manhã desta quinta-feira (16), de forma semipresencial, pela Comissão Especial de Promoção da Igualdade da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA). Na ocasião, foram ouvidos pesquisadores e lideranças da comunidade. A parte presencial do evento foi realizada no Grande Hotel Sesc, em Itaparica.
 
Presidido pelo deputado Hilton Coelho (Psol), o evento reuniu ainda parlamentares e lideranças políticas de Itaparica e de Vera Cruz. Todos eles, assim como os representantes dos moradores que se pronunciaram, manifestaram a preocupação com a falta de estudos profundos sobre os impactos que o empreendimento trará para o meio ambiente, turismo, comércio, trânsito e, sobretudo, para a vida dos moradores da Ilha.
 
Durante a audiência, Hilton Coelho chamou a atenção por diversas vezes para necessidade de mobilização permanente tanto da comunidade quanto dos legislativos estadual e municipais de Vera Cruz e Itaparica. “Os impactos serão enormes e as pessoas que residem em Itaparica e Vera Cruz precisam ser efetivamente ouvidas”, defendeu o parlamentar.
 
Os outros parlamentares que participaram do evento seguiram com a mesma defesa. “Temos que assegurar os direitos das comunidades tradicionais. Estou falando de marisqueiras, pescadores, quilombolas, assentados dessa região. Precisamos ter cuidado para que essas comunidades não sejam engolidas pela especulação imobiliária”, afirmou o deputado Bira Corôa Lula (PT).
 
A presidente da Comissão de Igualdade, deputada Fátima Nunes Lula (PT), afirmou que a obra é necessária, porque, na visão dela, a ponte trará um novo roteiro de acessibilidade a Salvador e outros municípios da região. “Mas sabemos que todas as obras trazem alterações no ambiente, na vida das pessoas. Por isso, é necessário o diálogo constante com as comunidades”, ressaltou.
 
O deputado Jurailton Santos (Republicanos), vice-presidente do colegiado, levantou uma série de questões sobre o empreendimento. “Sou filho e neto de pescador e existem muitos questionamentos sobre os impactos no meio ambiente. E as pessoas que moram em Gameleira? O que vai acontecer com aqueles moradores que estão ali há muitos anos, que construíram suas casas, comércios, suas vidas? As pessoas precisam saber”, afirmou Jurailton.
 
 
ALERTAS
 
Primeiro a palestrar na audiência, o arquiteto e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Paulo Ormindo, alertou para a sobrecarga de serviços que a ponte trará para a capital baiana. “Quem tem um paciente doente nem Nazaré vai trazer para Salvador. A área de influência da capital vai duplicar e toda banda oeste vai ser sugada e atraída para a cidade”, afirmou ele, apontando que o “efeito de metropolização será desastroso para Salvador”.
 
Para o professor, a população baiana pagará um ônus muito alto pelo empreendimento. “O preço da ponte já duplicou e está em R$ 9 bilhões. Anualmente, terá que desembolsar cerca de R$ 1,2 bilhão para pagar o consórcio chinês porque a demanda não será suficiente para suprir o que está previsto no contrato. Já subsidiamos o metrô, o monotrilho e a ponte. O Estado vai ficar sem recursos para educação, saúde, habitação”, observou ele.
 
De acordo com ele, para a ponte ter um uso razoável, era necessário ter pelo menos 300 mil pessoas morando em Itaparica – hoje existem cerca de 70 mil. “E, mesmo que tivesse 300 mil, boa parte da população iria usar a barca, como acontece em Niterói, no Rio de Janeiro”, acredita.
 
Já o engenheiro civil e ambiental, Joselito Oliveira Alves, afirma que o Governo da Bahia ignorou outras possibilidades mais viáveis de ligar Salvador ao Sul do Estado. “O governador Rui Costa trocou o objetivo de construir uma ligação com o Sul do Estado pelo projeto pessoal. Ele imaginou a ponte, não uma ligação com o Sul do Estado”, afirmou.
 
Joselito Oliveira classificou o Relatório de impacto Ambiental (Rima) como uma “fraude dirigida para justificar a ponte”. Segundo ele, as alternativas nunca foram desenvolvidas ou estudadas no relatório, que “se limitou a estudar as travessias por ferries e lanchas”.
Para o engenheiro, o Governo do Estado simplesmente quer fazer a ponte. “O estudo não examinou sequer o grande complexo rodoviário que será construído em Salvador que vai acabar com a Feira de São Joaquim. Também não existe estudo decente de viabilidade financeira para um projeto de tamanha importância”, acrescentou.
 
A questão da viabilidade financeira do empreendimento também preocupa o arquiteto alemão Carl von Hauenschild, sócio diretor da Urplan – Grupo De Planejamento Urbanismo Arquitetura e radicado na Bahia há muitos anos. Ele também defende que a ponte não terá demanda suficiente para remunerar a concessionária chinesa.
 
“Se chegou à conclusão que a Ilha, que hoje tem 70 mil habitantes, precisaria ter 300 mil para chegar a um número adequado. Isso, partindo da premissa que todos os novos 230 mil moradores trabalhariam em Salvador. É uma suposição totalmente fora da realidade”, afirmou.
 
 
Hauenschild destacou o impacto que 230 mil habitantes a mais teria no saneamento, escolas, emprego e renda da Ilha. “Foi um estudo feito nas coxas para viabilizar o projeto e não para verificar realmente o equilíbrio de viabilidade financeira deste empreendimento megalômano”. Segundo ele, com uma população deste tamanho, a ilha precisaria ser verticalizada “porque todo mundo quer ficar nas proximidades da beira da praia, que hoje é ocupado por antigos loteamentos”.
 
 
O arquiteto alemão lembrou ainda que a oferta de habitação em Salvador é muito grande. Além disso, lembrou, a sociedade cada vez mais se adapta a uma forma de trabalho que pode ser feita a distância.
 
 
“Estamos comprometendo o futuro com essa demanda mal calculada, que vai reduzir a capacidade de investimento do futuro em função de uma cláusula que diz que se os recursos forem menores do que o planejado o restante será pelo contratante. É um cheque em branco que o governo dá”, afirmou.
 
 
Por outro lado, são as questões ambientais que preocupam Cláudio da Silva, presidente da organização não-governamental Gaia. De acordo com ele, o relatório de impacto ambiental não contempla questões fundamentais, como o impacto oceanográfico da Baía de Todos-os-Santos.
 
 
 
“Qual será a consequência da ponte para o bioma da Baía? Existe uma cadeia de corais, por exemplo, que vai da Barra à proximidade da ilha. Que impacto terá nela os detritos da ponte, a química decorrente do ferro nos moluscos, nos peixes. Isso não está previsto no Rima”.
 
 
 
Um dos poucos representantes do Estado na audiência, o diretor de Regulação do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), Leonardo Carneiro, afirmou que, pelo menos, três audiências públicas foram realizadas para debater o empreendimento com a comunidade da Ilha. E disse ser necessário que os municípios também façam seus PDDUs (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) prevendo o impacto da ponte. Mas, para Hilton Coelho, os debates promovidos nas audiências foram superficiais, sem questionamentos profundos em relação ao projeto.
 
 

 

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