Salvador
Colegiado debate impactos da implementação do VLT na população do Subúrbio Ferroviário
Os Impactos da Implementação no VLT na População do Subúrbio foi o tema de debate da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA) nesta quinta-feira (23). Proposto pelo deputado Hilton Coelho (Psol), o evento reuniu membros de entidades da sociedade civil para discutir o assunto.
Compuseram a mesa, presidida por Hilton Coelho, o coordenador do movimento Trem de Ferro – Verde Trem, Gilson Vieira; o professor Ruan Moreno, diretor do Centro de Estudos de Transportes e Meio Ambiente da Escola Politécnica da Ufba (Cetrama) e membro do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-Bahia); o engenheiro ferroviário Rafael Vasconcelos, representante da Associação dos engenheiros e metroviários da Bahia e Sergipe; o doutor em urbanismo Daniel Caribé, integrante do Observatório de Mobilidade Urbana; o presidente da Federação dos Trabalhadores Públicos do Estado da Bahia (Fetrab) e pré-candidato a prefeito de Salvador, Kleber Rosa; o presidente do IAB, Daniel Colina e a professora Iraci Gama, secretaria de Cultura, Esporte e Lazer de Alagoinhas e preservacionista do acervo ferroviário e da estação ferroviária de São Francisco, em Alagoinhas.
Hilton lamentou a ausência, no debate, de representantes do Governo do Estado. Ele afirmou que convites, com antecedência, para as secretarias estaduais de Infraestrutura (Seinfra) e de Desenvolvimento Urbano (Sedur). “Espero que esse importante debate seja assistido pelo Governo do Estado, para que aproveite as sugestões e os dados aqui apresentados”, disse.
De acordo com o parlamentar, o trem do subúrbio tem um papel que pode ir além do aspecto municipal e regional. “O nosso trem tem o potencial de ligar Salvador, de um lado, com o Maranhão, do outro, com o Rio de Janeiro. Nos últimos anos, passamos por um sucateamento proposital do nosso trem do subúrbio. Depois de muitas décadas, nós tivemos ele reduzido ao trajeto dentro de Salvador. E, ao final, tivemos um Governo do Estado que arrancou o trem sem qualquer consulta à população, sem discutir o impacto disso”, comentou o deputado.
Ele afirmou que, com o anúncio, pelo Executivo, do novo projeto de VLT (Veículo Leve sobre Trilho), há a possibilidade de se retomar o transporte sobre trilho. “Como o potencial desse equipamento é gigantesco, as possibilidades que se abrem são muito grandes, e as incertezas também. Essa audiência tem por objetivo colocar essas incertezas e possibilidades de maneira transparente para a população e ao mesmo tempo cobrar do poder público que efetive o que seja a vontade da nossa população”, explicou Hilton Coelho.
DEBATE
Para fazer a explanação sobre o tema, foi convidado o professor Ruan Moreno, que argumentou sobre a importância de plano estadual de mobilidade urbana que integre e dê sentido às recentes obras dos modais de transporte. Segundo ele, há três problemas no projeto do VLT. “O primeiro é não acessar o centro, o segundo, não ter interação modal e microacessibilidade, e o terceiro é a faixa de domínio, ou seja, se o VLT vai ser somente o VLT ou vai permitir a passagem de transporte de carga”.
Ruan Moreno argumentou que a rede de transporte urbano tem que ser pensada a partir da centralidade da cidade e lembrou que as regiões da Lapa e do Iguatemi atraem dois terços de todos os empregos da metrópole. O professor apontou ainda que, de acordo com pesquisa recente, Salvador é uma das metrópoles onde se faz mais baldeações.
“Por que tantas transferências de um veículo a outro? Por que estão sendo construídos projetos de metrô, de VLT, de BRT, todos desagregados, como uma colcha de retalhos, e não há uma rede integrada de transportes de Salvador? De todas as metrópoles, Salvador é onde há mais transferências, ou seja, sair de um trem para pegar um metrô, de um metro para pegar um ônibus. No futuro, da maneira que está sendo pensado o VLT, esse número de transferências vai aumentar, porque o VLT não chegará ao centro de Salvador. Ele vai até a Calçada”, constatou.
Ele disse ainda que é preciso consultar o Estado para saber se há estudo de integração modal e microacessibilidade para o VLT. “Nosso VLT está junto ao mar, e as famílias estão a 60 metros sobre o nível do mar, na parte alta. Como vão descer, como vão acessar o VLT? Há problemas de calçadas, de iluminação pública, de declividade, de arborização, rampas, pavimentação. Há um conjunto de fatores que faz com que se caminhe com conforto e segurança. Sem isso, ninguém usará o VLT. Então, o VLT não vai ter 18 mil passageiros, como se espera”, disse o professor.
Ele propôs que uma linha circular de ônibus no Alto do Cabrito, que fica a 70 metros do nível do mar, fosse interligada a planos inclinados, para integrar os moradores ao VLT.
Na sequência, foi convidado a falar o coordenador do movimento Verde Trem, Gilson Vieira, que apresentou uma cronologia dos fatos envolvendo o trem do subúrbio, criado em 1863. Segundo ele, a partir de 1982, quando foi encerrada a linha de Salvador a Simões Filho Candeias e Alagoinhas, diversas mudanças aconteceram no sistema.
“Até 2021, o sistema, todo perfeito, começou a ser desmontado. Hoje, é só ruína. Em 15 de fevereiro de 2021, uma segunda-feira, não havia mais trem. Após 158 anos, no dia 13 de fevereiro de 2021, o último trem partiu da Estação Calçada. Por coincidência ou propositalmente, no mesmo dia e mês, 13 de fevereiro de 1863, chegava em Alagoinhas o primeiro trem saindo da Calçada”.
Segundo ele, manifestações foram feitas, sobretudo com os pescadores, porque foram os mais afetados. “O porto das sardinhas movimentava mais de seis toneladas de pescado, e o secretário da Sedur, à época, disse que os pescadores não usavam o trem. Até a pandemia, 14 mil pessoas andavam nesse transporte a R$ 0,50”, disse.
O coordenador do Verde Trem afirmou que, atualmente, os trilhos e dormentes estão virando sucata e pediu que fosse reconsiderado o projeto original do VLT, incluindo o trecho Calçada – Terminal da França. Acrescentou ainda que era preciso considerar a importância e restabelecer o acesso ferroviário ao porto de Salvador, compartilhando com a via-férrea do VLT.
Por fim, Gilson pediu que fosse considerado o estudo da Escola Politécnica da Ufba, aprovado pelo Ministério dos Transportes, e reivindicou o resgate do projeto Trem Cultural, com atrações dentro do trajeto do trem do subúrbio.
O representante Associação dos Engenheiros e Metroviários da Bahia e Sergipe, Rafael Vasconcelos, disse que é importante deixar claro que se quer uma evolução no sistema. “Queremos algo mais. Colocar um VLT embaixo da encosta vai continuar transportando o nada a coisa alguma”.
O engenheiro lembrou que, há mais de 30 anos, sabia-se que o problema do trem suburbano era não alcançar o centro de Salvador. “Ou faz a ligação calçada ao centro ou vai ficar mais um eixo ineficiente. Não capta a lateral e não chega à centralidade urbana. Vai captar 15 mil passageiros do jeito que está colocado aí. A gente precisa dar eficiência ao sistema. O subúrbio tem demanda não apenas para o VLT, mas para um regional, que faça uma conexão fora do município, que chegue a Mata de São João, a Catu e Alagoinhas”.
Rafael disse ainda que é necessário trazer de volta a Companhia Brasileira de Transportes Urbanos (CBTU) para o comando do trem do subúrbio. “Hoje, sentimos falta desse conhecimento técnico. É necessário revisitar o passado e, quem sabe, a gente retomar a CBTU. O governo Lula retirou a CBTU do programa de privatização”.
Por fim, Daniel Caribé, doutor em urbanismo e membro do Observatório da Mobilidade Urbana de Salvador, informou que há uma grande interrogação sobre o projeto atual do VLT. “É uma proposta muito maior do que primeira do VLT, mas sem que o Governo do Estado se coloque à disposição da sociedade civil para fazer um debate, para implementar este projeto da melhor forma possível”.
Segundo ele, há uma grande desarticulação metropolitana. “Nós temos uma competição entre o governo e a prefeitura em projetos que não dialogam, que não surgem para resolver problemas reais, mas que servem como peças publicitárias para um disputa eleitoral que acontece a cada dois anos. O BRT, o monotrilho, o VLT, o metrô são projetos que não dialogam”.
Para Daniel, é preciso “entender que a mobilidade urbana é, atualmente, uma produtora de segregação na cidade. O nosso subúrbio ferroviário está apartado, segredado da dinâmica econômica da cidade de Salvador, um território histórico, negro, popular, que não é pensado dentro da sua importância histórica, social e econômica. Aí, são apresentadas soluções como túnel, via expressa, monotrilho, trem, que não buscam resolver o grande problema. E o problema pode ser ainda pior, porque a demanda pode ser baixa. A tarifa praticada em Salvador gera imobilidade urbana, gera segregação socioespacial e racial. Quando você implementa um projeto de VLT e não pensa nesses aspectos, um modelo de contrato que leve em consideração a tarifa, a microacessibilidade, a acessibilidade financeira deses projetos, você pode criar problemas”.