Filhos de Gandhy comemoram 70 anos de tradição com desfile
As ruas do Pelourinho se transformaram num colossal tapete humano azul e branco, neste domingo (3), quando o afoxé Filhos de Gandhy, partiu da frente da Casa de Jorge Amado em direção ao Campo Grande. Reunindo uma multidão de baianos e turistas sob a força da saudação ‘ajayô’, mais uma vez, a mensagem foi de paz.
O presidente do bloco, Gilsonei de Oliveira, fala sobre a história do afoxé. “Nos anos 40, após a morte do pacifista Mahatma Gandhi, pensou-se em fazer um bloco. Se juntou à afrodescendência baiana e há 70 anos vem mantendo essa tradição e essa cultura. Ser Filho de Gandhy é amor, é dedicação, é candomblé, é ideologia, é ter a paz no coração, é tudo o que tem de mais belo dentro dessa nossa Bahia”.
A imagem conhecida no mundo inteiro é uma identidade, segundo o segurança Reginaldo Caetano dos Santos, que há mais de 30 anos faz parte do afoxé. “Sou Gandhy o ano todo. Visto a camisa para ir para o trabalho todos os dias. É muito bom, é preciso amar essa entidade todos os dias, se dedicar, ter orgulho, ter amor”.
A riqueza de detalhes da indumentária repleta de tradição e religiosidade de matriz africana movimenta a economia. A costureira Raquel Fernandes confecciona os famosos turbantes há mais de 15 anos nas ruas do Pelourinho. “Eu faço isso pela tradição. A energia do Gandhy puxa a gente. E tem o trabalho. A gente trabalha três quatro, até oito dias aqui e ganha bem, reforça o orçamento”.
O afoxé Filhos de Gandhy, tornou-se o maior e dito o mais belo Afoxé do Carnaval de Salvador, na Bahia. Constituído exclusivamente por homens e inspirado nos princípios de não violência e paz do ativista indiano Mahatma Gandhi, o bloco traz a tradição da religião africana ritmada pelo agogô nos seus cânticos de ijexá na língua Iorubá. Utilizaram lençóis e toalhas brancos como fantasia, para simbolizar as vestes indianas.
Tornou-se o mais famoso e o maior dos Afoxés da Bahia, que conta com aproximadamente 10.000 integrantes.
Tradicionalmente a ‘fantasia’ contém, além do turbante e das vestimentas, um perfume de alfazema e colares azul e branco. Os colares já são conhecidos tradicionalmente por “colar dos filhos de Ghandy”, que são oferecidos para os admiradores como forma de desejar-lhes paz durante o carnaval e ao longo do ano.
As cores dos colares são um referencial de paz e o afoxé enfoca Oxalá, que é o Orixá maior. O branco e o azul intercalados é o fio-de-contas do Oxalá menino, o Oxaguiam, que correspondem: o branco a Oxalufon seu pai e o azul a Ogum de quem é inseparável; as contas são amuletos da sorte. E cada um usa de acordo com a indumentária, da maneira que se achar elegante, não existe quantidade fixa de contas para cada colar, nem quantos colares se deve usar.
Em 1949 os estivadores eram tidos como privilegiados, dadas as condições econômicas da época que lhes favorecia e ao fato de não terem patrões. O trabalho era fiscalizado pelo próprio sindicato dos estivadores, o que lhes conferia um certo status. Data desse ano a fundação do bloco “Comendo Coentro”, composto de um caminhão em que se instalaram vários instrumentos musicais, seguido dos estivadores, trajados finamente com o que de mais elegante existia: roupas de linho importado, chapéus “Panamá” e sapatos “Scamatchia”. A festa era regada a muita comida e bebida e os estivadores chegavam a alugar barracas para a farra carnavalesca.
Em 1949 com a política de arrocho salarial, numa verdadeira economia de pós-guerra, o Governo Federal interveio nos sindicatos, inclusive no sindicato dos estivadores, o que fez decair a renda dos sindicalizados. O “Comendo Coentro” não pôde sair às ruas devido à crise financeira que se abateu sobre os estivadores e porque eles não queriam desfilar em condições inferiores às do ano anterior.
Surgiu, então, a idéia de levar um “cordão”, ou bloco de carnaval, idealizado por Durval Marques da Silva, o “Vavá Madeira”, com o apoio dos demais estivadores: Antônio de Emiliano, Aloísio Gomes dos Santos (Gaiolão), Fidelis Manoel dos Anjos (Panguara), Edgar Antônio Querino (São Cosme), Almir Passos Fialho (Mica), Herondino Joaquim Ribeiro, Homero Rodrigues de Araújo, Hilário José de Santana (Bigode de Arraia), Pedro Ferreira dos Santos (Pedro de Oiá), Francisco Xavier do Nascimento (Balbúrdia), Eduarlino Crispiniano de Souza (Dudu), Bráulio José dos Santos, Evilásio Sacramento (Baé), Hamilton Ferreira dos Santos (Lobisomem), Jaime Moreira de Pinho (Bexiguinha), Hermes Agostinho dos Santos (Soldado), Manoel Nicanor das Virgens (Zoião), Arivaldo Fagundes Pereira (Carequinha), Máximo Serafim Mendes (Quadrado), Manoel José dos Santos (Guarda-sol), Domiense Pereira Amorim (Domi), Cândido Rosendo de Matos (Cândido Elefante), Domingos Assis (Cara Feia), Suther Carlos Sacramento, Eduardo Teodódio dos Santos, Geraldo Ferreira da Costa (Tristeza), entre outros. Arrecadaram dinheiro e foram às compras, adquirindo lençóis para serem utilizados na confecção dos trajes, barris de mate e couro, com os quais construíram os tambores utilizados no acompanhamento do cortejo.
O nome do bloco foi sugerido por “Vavá Madeira”, inspirado na vida do líder pacifista Mohandas Karamchand Gandhi, trocando-se, entretanto, a letra “i” por “y”, com a intenção de evitar possíveis represálias pelo uso do nome de uma importante figura do cenário mundial. Batizou-se então o bloco com o nome “Filhos de Gandhy”.