Há um questionamento atual para se saber se o Lula teria sido inocentado ou não.
Com relação ao termo “inocente”, há um significado comum que o atribui à ingênuo, pueril. A par de tal significado comum, “inocente” é ainda um termo técnico da área forense.
Sua construção é histórico-jurídica e sua função é traduzir a ideia de que qualquer cidadão que não tenha recebido sentença condenatória definitiva é livre de culpa (no específico sentido criminal).
Assim, qualquer cidadão, por força constitucional, goza do pálio da ‘presunção de inocência’. Presunção, destaco. Ou seja, uma premissa, antecedente que oferece a ideia de ‘inocência’, da qual se parte para um juízo prévio, na perspectiva criminal, de todo e qualquer cidadão.
Presunção de inocência, como proposição, pode ser contestada por meio de um processo criminal válido e pode ser ‘quebrada’ unicamente pela sentença condenatória definitiva. Em qualquer democracia moderna, isto funciona desta forma.
Presunção de inocência nada tem a ver com prisão, porque existem prisões “processuais”, isto é, prisões que servem de garantia ao processo. A pessoa, por exemplo, pode ficar presa preventivamente e, ao final, não receber sentença condenatória; sua presunção de inocência permanece intacta.
Presunção também não é princípio, porque não estrutura o estado democrático de direito, podendo ser contestada. Não é também um ‘estado’, no mesmo sentido de ‘estado civil’, por exemplo, de solteiro ou casado, que coloca a pessoa numa dada posição fixa perante o ambiente jurídico, com direitos e obrigações.
Para ser quebrada, como se disse, além da sentença condenatória, o processo precisa ser válido, quer dizer, não pode ter nenhuma nulidade, não pode ter nenhum vício, nada que o macule ou indique que ele foi produzido à revelia da lei.
Quando há qualquer mácula, o processo é declarado nulo. Ao ser anulado, verifica-se se ele pode ser retomado ou não. Se puder, a pessoa continua sendo processada até o final, com sentença condenatória ou não. Se não puder – e aqui há um destaque importante -, o processo tem de ser necessariamente encerrado.
Ao ser encerrado, não há mais processo criminal contra aquela pessoa, portanto, ela retoma sua ‘presunção de inocência’ ou volta a ser ‘inocente’, tecnicamente falando.
Logo, o termo ‘inocente’ é correto no contexto de Lula, porque seu(s) processo(s) foi(ram) anulado(s). Logo, em linguagem comum, ele foi ‘inocentado’.
Algumas pessoas por má-fé e movidas por claro interesse de ofender a honra (obviamente, só para deixar claro, não é o caso do texto), misturam ‘inocência’ com outra expressão técnica chamada “absolvição”, que é especificamente a decisão judicial que não condena o acusado em processo. A ‘absolvição não significa necessariamente ‘retirar a culpa’, mas simplesmente dar termo à situação jurídica de que não é possível condenar o acusado. Um exemplo disso seria uma causa de excludente de ilicitude, por exemplo, a legítima defesa, num caso de homicídio, em que o acusado mata o agressor de sua mulher. Aqui, tecnicamente, não se discute a culpa, porque há uma causa que justifica legalmente sua ação. Falar mais sobre este tema, porém, demandaria outro texto.
João Ibaixe Jr. advogado e ex-delegado de polícia, é especialista em Direito Penal, pós-graduado em Ciências Sociais e Teoria Psicanalítica e mestre em Filosofia do Direito e do Estado.