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Nas Filipinas, capoeira do Brasil é arma para tirar jovens do crime.

Apaixonado pelo jogo, psicólogo aprendeu português e montou projeto em bairros pobres

Aos 13 anos, Teddy mora num dos bairros mais pobres de Manila, capital das Filipinas, e já é órfão. Seu pai, um pequeno traficante de metanfetamina, foi uma das 10 mil vítimas na guerra às drogas desencadeada há dois anos e meio pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte.

No final do ano passado, o adolescente estava na Austrália, cantando em português e ensinando uma arte brasileira: a capoeira. Teddy participa da seção filipina do Projeto Bantu, que usa o jogo de raízes africanas para discutir valores e controlar a violência em algumas das regiões mais carentes do país asiático.

A ideia foi posta em prática há seis anos pelo psicólogo filipino Jaime Benedicto, 32.

Apaixonado pela capoeira desde os 18, ele fala um português fluente, que aprendeu sozinho. É nesse idioma também que seus alunos entoam as canções de capoeira, os chamados corridos.

As letras, diz Jaime, servem como tema para reflexão. A canção que inicia as aulas, por exemplo -“Ô, sim, sim, sim / Ô, não, não, não / Hoje tem, amanhã não”-, serve para valorizar o que se tem no momento: pais, família, comunidade, oportunidades.

Mais que por palavras ou sermões, porém, a capoeira surte efeito pela própria prática. “O jogo ensina a ficar mais atento, ter consciência das consequências dos nossos atos. Se você colocar seu pé aqui sem pensar, seu parceiro vai te derrubar”, diz ele.

Na roda de capoeira, os garotos aprendem a planejar os golpes, saber o objetivo e como atingi-lo. Depois da aula, a prática vira tema de conversa.

“Eles querem sair da pobreza? Então vamos conversar sobre os passos para chegar a isso. Traçar um plano de ação.”

Outra lição indireta é que a força física não é tudo. “Temos jovens doentes ou deficientes, que se destacam na organização de eventos ou na habilidade para convidar outros jovens, algo muito importante também na sociedade.”

Outros mostram talento para o canto e os instrumentos. A ideia é mostrar que não é só quem joga melhor que tem mais valor. “Todos são importantes para o grupo.”

Disciplina é outro efeito importante. Segundo o psicólogo, comportamentos que seriam básicos para jovens de classe média precisam ser adquiridos. “Eles têm uma vida caótica, em locais sem estrutura, fora da escola e sem boas relações com os pais.”

A capoeira introduz ordem e tradições. “Há regras, uniforme. A gente explica por que é preciso atenção ao que os outros falam. Ensina a respeitar para receber respeito.”

Foi o caso de Teddy. Fora da escola e marcado na comunidade por ser filho de traficante assassinado, ele reconquistou importância por dominar a percussão do berimbau e entoar as ladainhas mais longas.

No encontro promovido em Sydney, na Austrália, no final de 2018, se destacou ao ensinar as origens da capoeira de Angola e o significado das músicas.

Apesar dos casos de sucesso, há muitos de fracasso, diz o instrutor. “Como as famílias estão sempre se mudando, não conseguimos recolocar várias crianças na escola.”

Filho de pai arquiteto e mãe voluntária em um hospital, Jaime começou a aprender capoeira aos 18 anos, em Manila.

Aos 23, conheceu na Austrália o baiano Mestre Roxinho e seu Projeto Bantu, criado há 20 anos no Brasil. Jaime, que já tinha como meta trabalhar com movimentos sociais, se encantou pela proposta.

Um dia estava organizando uma oficina numa comunidade de Manila, e o som dos pandeiros, atabaques e berimbau atraiu as crianças que moravam ao redor. No início, eram dez crianças de San Andres -distrito que tem a segunda maior população de Manila.

Hoje são 200 alunos dos 3 aos 20 anos, em cinco comunidades. São duas aulas por semana, de até 80 minutos, dependendo da faixa etária.

Um convênio firmado com o governo filipino deve dar novo impulso ao grupo. Para isso, começou a formar instrutores entre seus alunos.

As aulas em Manila são abertas, mas a prioridade é cativar garotos como Teddy. “A gente busca os que estão perto de cometer um crime, usar drogas ou fazer algo perigosos para si mesmos.”

Uma preocupação de Jaime é que congressistas filipinos discutem a possibilidade de baixar a idade de responsabilidade criminal para 12 ou até 9 anos de idade. “Nossas prisões são terríveis. Quando saírem será ainda mais difícil atingi-los.”

Meninas também participam das rodas, mas a maioria é do sexo masculino. Dados da OMS mostram que a taxa de homicídios de homens no país é oito vezes a de mulheres: 20,5 por 100 mil habitantes, no primeiro caso, contra 2,5 por 100 mil, no segundo.

“Culturalmente e socialmente, é muito mais difícil para uma garota usar drogas ou se envolver em crimes, porque amigas e parentes vão ser muito duros. Infelizmente, no caso dos meninos a sociedade vê o mau comportamento até como algo normal.”

O sonho de Jaime é construir um centro próprio, com aulas gratuitas também de reforço escolar, alfabetização e apoio na descoberta de outros interesses. “Temos jovens com muito talento e capacidade, mas eles não têm caminhos nem meios para transformar seu potencial em realidade.”

Com informações da Folhapress
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